Cidade dos 15 minutos

2020-12-15
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O movimento da Cidade dos 15 Minutos procura "saber por que razão as pessoas passam o equivalente a um dia de trabalho por semana em deslocações e percebeu que as cidades estão totalmente segmentadas: vive-se numa zona, trabalha-se noutra e fazem-se as compras algures entre as duas." O modelo, criado por Carlos Moreno, urbanista e professor da Universidade Sorbonne, em Paris, apresenta uma solução aparentemente simples, que aumentaria a qualidade de vida e reduziria o nosso impacto ambiental: e "se tivéssemos tudo o que é essencial a uma distância de um quarto de hora a pé ou de bicicleta?"

Neste artigo passamos os olhos pelas ideias precursoras desta proposta urbana, sobre as vantagens da densidade urbana e a sobreposição de usos, sobre métodos de deslocação mais saudáveis, económicos e ambientalmente respeitadores. Esta publicação é feita por sugestão de um artigo recente do Expresso - "Cidades de 15 minutos: o novo modelo de urbanismo que várias metrópoles já estão a aplicar" -, que nos parece um bom ponto de partida.


A cidade-jardim


Confrontado com a expansão urbana galopante e a forte industrialização das cidades inglesas, Ebenezer Howard (1850-1928) escreveu, no fim do século XIX, "To-Morrow: A Peaceful Path to Real Reform" (mais tarde publicado como "Garden Cities of Tomorrow"), onde propõe um novo modelo citadino: a cidade-jardim, um modelo concêntrico e focado em conciliar as vantagens da cidade e do campo. As dimensões destas cidades seriam pré-definidas, impedindo a expansão contínua e evitando as áreas suburbanas desqualificadas e sem acesso aos serviços e ao comércio, concentrados no centro do assentamento.

Em Portugal, alguns bairros periféricos das principais cidades foram construídos tendo por base estes princípios. O Bairro da Encarnação (1940-1946), em Lisboa, integrado no programa "Novos Bairros", encabeçado por Duarte Pacheco (1900-1943), é um desses casos. No centro, encontra-se a igreja e a escola, de onde saem as principais alamedas de circulação, ladeadas por vivendas unifamiliares providas de quintal. No topo dos eixos secundários, existem pequenos mercados, que servem as habitações mais próximas. No total, cerca de um quarto da área do bairro é ocupada por áreas verdes e de lazer.

Bairro da Encarnação, projetado pelo arquiteto Paulino Montez (1897-1988), apresenta-se como um retrato campestre em meio urbano. Imagem retirada do livro "Habitação - Cem Anos de Políticas Públicas em Portugal - 1918 - 2018", publicado pelo IHRU.


Unidade de vizinhança


Discípulo de Ebenezer Howard e da sua cidade-jardim, Clarence Perry desenvolveu a ideia de Unidade de Vizinhança, em 1929, procurando que esta actuasse como indutor de pequenas comunidades nas metrópoles emergentes.

As Unidades eram definidas por raios de 400 metros e possuíam serviços, como escolas e igrejas, nas suas zonas centrais e comércio nos seus limites - estes definidos por avenidas de maior tráfego. A Unidade garantia que qualquer pessoa estivesse a uma questão de minutos de satisfazer necessidades básicas, enquanto promovia um ambiente interno calmo e seguro, pautado por proximidade entre vizinhos e ausência de carros. Ainda que muito criticada pela excessiva intransigência espacial, o modelo de Perry, aparentemente simples, racionalizou uma concepção de bairro até aí inexistente e é usado, ainda hoje, como referência.

Esquema de referência da Unidade de vizinhança. Retirado do artigo de Sharifi (2015) “From Garden City to Eco-urbanism: The quest for sustainable neighborhood development”.


Actualidade


Paris está empenhada em tornar-se via primeira Cidade de 15 Minutos. Nas últimas décadas, apesar de todas as medidas apresentadas, a dependência do carro próprio ainda é significativa. A poluição urbana é um problema de saúde pública, bem como a obesidade, resultante de uma vida demasiado sedentária.

Tornar as cidades menos dependentes das emissões carbónicas e mais amigas dos seus habitantes é possível. Passa por melhorar e alargar os passeios e as ciclovias, encorajar o uso dos transportes públicos, criar mais espaços verdes em meio urbano e tornar os edifícios existente mais plurifuncionais.

Actividades e serviços que idealmente teriamos a não mais que quinze minutos de distância. Fonte: smartcitylab.com.


Nas deslocações diárias, o que mais importa é o tempo despendido e não a distância percorrida. A Constante de Marchetti, definida pelo físico italiano homónimo, constata que ao longo da história as cidades foram sendo desenhadas e construídas em torno do tempo médio despendido nos movimentos pendulares diários - trabalho-casa, casa-trabalho -: cerca de meia hora. Com os meios de transporte motorizados, a distância vencida nesse período aumentou e as cidades também. Se a pé fazemos apenas um par de quilómetros numa hora, de carro ou de comboio esse valor pode ascender à centena. Para fomentar a proximidade e a pedonalização, é crucial manter este valor indicativo em mente no planeamento urbano.

Vista aérea de Poundbury, em Inglaterra, uma extensão experimental da cidade de Dorset construído com este princípio em mente, e pode ser consultada em poundbury.co.uk.


Sugestão audiovisual


Segundo Carlos Moreno, a Cidade de 15 Minutos deve assentar sobre quatro princípios fundamentais: "primeiro, a ecologia, para uma cidade mais verde e mais sustentável. Segundo, a proximidade, viver a uma curta distância de outras atividades. Terceiro, a solidariedade, para criar ligações interpessoais. Finalmente, a participação deve envolver ativamente os cidadãos na transformação do seu bairro."
Para compreender melhor como este modelo pode ser aplicado na prática, sugerimos a Ted Talk "Carlos Moreno: A cidade de 15 minutos".