Cerca de 30 mil famílias portuguesas têm carências habitacionais. Este é um número com tendência a aumentar segundo a União Europeia, que já alertou que "a falta de habitação acessível é um problema social" no nosso país (Expresso, 2020). Por cá, o apoio estatal à habitação conta com mais de cem anos de medidas e planos. Das primeiras preocupações da Primeira República, passando pelo Estado Novo enquanto grande promotor de “casas económicas”, às medidas indirectas de incentivo que têm marcado as últimas décadas, têm sido várias as estratégias adoptadas para garantir um direito universal - o direito ao alojamento condigno. Neste artigo, propomo-nos partilhar projectos, ideias e iniciativas que se questionam sobre o que é e o que poderia ser a habitação apoiada em Portugal hoje, mergulhando na História aqui e ali.
No ano da primeira lei da habitação apoiada nacional - o Decreto de 25 de Abril de 1918 -, o país industrializava-se. Às principais cidades, acorria gente em busca de trabalho assalariado nas fábricas. Nos "pátios" de Lisboa e nas "ilhas" do Porto, as casas eram poucas para tantas famílias, cujos magros salários não permitam melhores condições de habitabilidade. Os bairros operários sobrelotados, insalubres, mal iluminados e ventilados colidiam com as ambições higienistas que começavam a surgir um pouco por toda a Europa.
Em 1919, surgiram, junto dos principais polos industriais, os primeiros projectos de "Bairros Sociais", pensados para ter «as condições próprias para o gozo da saúde, para o desenvolvimento físico, formação e educação moral e intelectual, aperfeiçoamento profissional e para o amparo, repouso e tratamento de doenças» (IHRU, 2018). De cinco, só dois foram concluídos, já durante o Estado Novo. Um deles, o do Arco do Cego, encontrava inspiração no modelo da cidade-jardim. Privilegiavam-se moradias unifamiliares, rodeadas por serviços de proximidade como "lavandarias, balneários, campos de desportos, teatros, escolas profissionais, cantinas, casas de saúde e jardins".
Parte da coleção de ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos, "A habitação apoiada em Portugal", de Ricardo Costa Agarez, é um excelente ponto de partida para compreender os incentivos à habitação dos últimos cem anos no nosso país, tendo sempre em vista a sua História, as ideias políticas e os desafios sociais de cada tempo. Nele se lê:
"Perante um novo agudizar da escassez de alternativas acessíveis para habitação - abrangendo hoje um largo espectro socioeconómico da população -, agravado pela globalização definitiva do mercado habitacional português e pelo desfasamento evidente entre este e o rendimento médio nacional, o Estado central viu-se de novo forçado a procurar intervir através de medidas legislativas."
A Arq. Helena Roseta é um nome incontornável das políticas de apoio à habitação em Portugal. Desde muito cedo sensível ao desordenamento do território que condenava o território, foi deputada à Assembleia da República, ocupou diversos cargos autárquicos e, em 2019, após inúmeros anos de trabalho, fez aprovar a primeira Lei de Bases da Habitação no nosso país.
Reformada "dos cargos políticos mas não das suas causas", é atualmente coordenadora do recém-lançado projeto público "Bairros Saudáveis", focado em financiar iniciativas locais investidas na melhoria das condições de saúde, bem-estar e qualidade de vida de territórios vulneráveis. Até 26 de Novembro, é possível submeter candidaturas em https://www.bairrossaudaveis.gov.pt/.
Durante o Estado Novo (1933-1974), os programas de "Casas Habitação" procuravam apoiar a posse habitacional, garantindo que as casas se mantinham nas famílias ao longo das gerações. Assim, procurava-se combater a incerteza no acesso ao alojamento condigno e libertar, a longo prazo, o Estado dos encargos associados à sua gestão e manutenção. Foram quatro, os principais programas: "Casas Económicas", "Casas Para Pescadores", "Casas Para Famílias Pobres" e "Casas Desmontáveis" (Agarez, 2020).
O "Regulamento das Casas dos Pescadores" previa melhorar as condições de vida das comunidades piscatórias, mantendo-as próximas das orlas costeiras, construindo com os recursos locais. Em 1946, João Faria da Costa (1906-1971) propôs para a Costa da Caparica "blocos de dois pisos com 4 fogos isolados e em banda". Criou também um "traçado regulador", casando as habitações e os equipamentos de apoio previstos: "escolas ou postos de ensino para instrução profissional, dispensários, lactários, creches e asilos para velhos e crianças, entre outros equipamentos de apoio cultural e recreativo" (IHRU, 2018).
Blocos da Costa da Caparica - desenhos técnicos do arquitecto digitalizados do livro "Habitação - Cem Anos de Políticas Públicas em Portugal - 1918-2018", publicado pelo IHRU.
Nas grandes cidades, Lisboa e Porto, a oferta habitacional apoiada é curta para as necessidades. A classe média e as gerações mais novas, principalmente, confrontam-se cada vez mais com situações habitacionais precárias e incertas. Atualmente, a diversidade dos desafios requer estratégias variadas.
Para melhor compreender o ponto em que nos encontramos nesta matéria, sugerimos o episódio do podcast "45 Graus", com Sandra Marques Pereira, doutorada em Sociologia pelo ISCTE-IUL, que entre outros temas se dedica a investigar o modo como habitamos e os apoios públicos à habitação.