Portugal tem uma relação estreita com o mar: mais de 800 quilómetros de costa e dois arquipélagos em pleno Atlântico. As maiores cidades encontram-se na foz dos grandes rios que cruzam o país e a vasta maioria da população habita na faixa litoral entre Lisboa e o Porto, que foi sendo ocupada com inúmeros projetos para satisfazer as necessidades das populações costeiras, o desenvolvimento da atividade portuária, e mais recentemente, a galopante procura turística.
Se por um lado, a nossa extensa orla costeira é uma clara vantagem paisagística e económica, coloca-nos também algumas questões quanto à forma mais ou menos pensada como a fomos ocupando. A construção agressiva, em grande medida fomentada pela nossa dependência económica do turismo, tem um impacto claro no equilíbrio dos ecossistemas locais. A subida média das águas do mar, no atual contexto de crise climática, poderá obrigar-nos, num futuro próximo, a realojar comunidades inteiras.
Nesta publicação, procuramos refletir sobre o panorama arquitetónico e urbano da orla costeira portuguesa, observar os diferentes modos com foi sendo povoada ao longo do tempo e os desafios que nos coloca atualmente.
A ocupação do Baixo Algarve (em contraste com a Serra e o Barrocal) sempre foi muito diferente no Barlavento (Ocidente) e Sotavento (Oriente). Se no primeiro caso encontramos um terreno acidentado, com pequenos aglomerados encavalados nos declives de forma a garantir o seu acesso ao mar, no segundo caso o baixo declive permitia uma implantação mais espraiada no território.
Do sotavento ficou-nos a herança das açoteias - coberturas horizontais das casas de um piso que optimizavam os seus usos -, relacionada com uma influência marroquina. Contudo, ainda que seja comum generalizar este arquétipo a todo o Algarve, é interessante perceber que, historicamente, o encontramos apenas nos aglomerados de Olhão e da Fuzeta, onde foi aplicado pela iniciativa de pequenas comunidades que lucravam com o contrabando marítimo no mediterrâneo.
Segundo um estudo partilhado pelo Público, "o número de habitantes nas freguesias do país que confinam com a costa aumentou cerca de 68% entre 1970 e 2011, de 738 mil para 1,2 milhões de habitantes". Mais pessoas significaram também mais casas, que em média quadriplicaram nestas áreas, apesar de metade das mesmas se encontratem vazias toda ou grande parte do ano, o que demonstra o enorme interesse sazonal turístico nestas zonas.
Ter uma grande parte da população sobre a linha de costa aporta custos elevados para o poder local. Num país em que a erosão costeira é um problema transversal a toda a faixa litoral, "esporões, quebra-mares, paredões e enchimento artificial de praias" são essenciais para garantir a segurança dos que habitam próximo do mar, já que poucos são os que "parecem dispostos a procurar outro sítio para viver".
A seguinte fotografia, partilhada pelo Público, ilustra as Torres de Ofir, no concelho de Esposende; um projeto que em tempos se erradamente permitiu construir em plena praia, sobre as dunas. Nesta zona particularmente afetada pelo avanço do mar e pela erosão costeira, o Atlântico já derrubou várias vezes o caminho que lhes faz acesso. Apesar de algumas vezes ameaçadas de demolição durante os últimos anos, as torres mantêm-se por se considerar que estruturalmente não estão comprometidas.
Foi só em 1993 que Portugal implementou os Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), os primeiros instrumentos dedicados à “gestão, melhoria e valorização” da sua costa. Estes instrumentos incidem sobre uma faixa ao longo do litoral, que em terra se estende até aos 500 metros desde a linha do mar, e no oceano se estende até aos 30 metros de profundidade.
A elaboração destes planos é da responsabilidade de entidades supra-municipais (dada a sua abrangência a vários concelhos), mas a sua implementação parte dos Municípios, que devem garantir o respeito de medidas que vão desde a localização de infra-estruturas à valorização ambiental e paisagística do espaço. Contudo, o POOC é apenas um dos programas especiais contemplados no RJIGT (Decreto-lei 80-2015). Para mais informação acerca dele aconselhamos a consulta do site da Agência Portuguesa do Ambiente.
As palafitas são estruturas que se elevam sobre água ou sobre terra, assentes em estacas de madeira. Em Portugal, estão particularmente associadas aos avieiros, pescadores originários da zona de Vieira de Leiria, Ílhavo e arredores, que no Inverno, migravam Tejo acima. Primeiro, viviam nos próprios barcos, depois, passaram a erigir pequenas aldeias a partir dos cais.
Hoje, a grande maioria destas casas palafíticas encontra-se desocupada, com o desaparecimento da atividade piscatória tradicional no rio, mas têm sido feitos esforçou para preservar estas estruturas que tão bem compõem a nossa arquitetura popular. Um exemplo disso mesmo é a Rota da Cultura Avieira. A seguinte fotografia ilustra o Cais Palafítico da Carrasqueira, um exemplo desta expressão arquitetónica, pensada para acomodar a alteração do nível das águas durante o dia e o ano.
“A intervenção humana nos leitos dos rios, nomeadamente barragens que impedem os sedimentos de se deslocarem para a zona costeira; os erros do ordenamento da faixa litoral cometidos ao longo de décadas e a retirada de areia dos rios para a construção são fatores negativos, que resultaram no agravamento da erosão costeira."
Para concluir este tema, deixamos uma sugestão: "Orla Costeira 2020: Quais os Planos para o Litoral?", do programa da RTP "Biosfera". Esta é uma excelente forma de compreender os problemas que a erosão costeira e a subida média das águas do mar colocam atualmente, de uma forma integrada, e como temos de criar estratégias de mitigação e adaptação para acautelar as consequências nos próximos anos.